quinta-feira, 11 de outubro de 2012

POLÍTICA. DILMA É RUSSOMANO EM 2014.

Dilma é o Russomano de 2014

O surto Russomano em São Paulo é maior do que parece e não é coisa do passado. É coisa do futuro.

Ele é a resposta mais clara até aqui da insatisfação popular com o sistema político.

Escrevo esta nesta quarta, 10 de outubro. São 18h46, e o ministro Ayres Britto, presidente do STF, lê para a história a lista de condenações do dia no julgamento do mensalão. Culpado é a palavra que mais se ouve na TV Justiça. Ayres Britto conclui a momentosa lista lida com a fleuma natural e passa rapidamente a palavra ao ministro Joaquim Barbosa, que imediatamente dispara com sua capa de super-herói e voz de Yul Brynner outra rajada de acusações de "hipercrimes".

Quantos já foram condenados? Por quantos crimes (ou "hipercrimes")?

Quem está contando? A conta agora é a dos anos das penas e o regime das prisões _a diferença nada sutil entre o lar e a cadeia.

Ou seja, ainda há muito a batalhar neste drama épico da Nova República: um roteiro pronto para minissérie de TV, com personagens fantásticos e complexos, como cada um dos juízes supremos, o procurador-geral, os advogados, os condenados. É drama puro. Dramaturgia pura.

Com um "timing" fantástico.

O choque do mensalão com a eleição intensificou o efeito do julgamento e a onda de repúdio ao establishment político. Em São Paulo, o establishment político é PSDB e PT. O surto Russomano foi antes de tudo um repúdio.

E o que acontece em São Paulo não fica em São Paulo. Espalha-se pelo Brasil.

A cidade e o país tiveram um ciclo de crescimento transformador. Esse crescimento, reforçado pelo processo de formalização da economia, gerou uma explosão na arrecadação de impostos nas três esferas de governo. Segundo o professor Armando Castelar (FGV-SP), o Brasil conseguiu bater todos os países em aumento da carga tributária: ela cresceu 10 pontos percentuais do PIB em 15 anos, uma enormidade, um recorde.

Essa dinheirama toda, esses trilhões, não se transformaram em serviços públicos de mais qualidade, pelo contrário: da infraestrutura precária à tortura nas delegacias, as provas da ineficiência estatal são evidentes.

O avanço econômico abriu horizontes para milhões de brasileiros eleitores. Novos consumidores, eles se sentem mais fortes como cidadãos. E se tornarão cada vez mais exigentes com os governos (e empresas).

Russomano, além de "outsider", atua na esfera do consumidor, atua na TV, atua nas igrejas. É um político moderno. Daqueles que podem ameaçar o establishment, cada vez mais desgastado.

O Bolsa Família já tem quase uma década, o fervor político do lulismo enfraquece com a distância do poder e os efeitos do mensalão. O Brasil não é um país de esquerda. O PT se elegeu (e governou em quase tudo) pela direita. Mas a direita política está exterminada, como Lula prometeu. E a oposição é fraca. Ou seja, o espaço para um aventureiro na cena política nacional é enorme.

Mas aí está o truque.

Dilma ocupou essa via. Foi para cima das empresas (privadas) em nome do consumidor, defendendo o cidadão-consumidor em áreas nevrálgicas como telefonia e conta de luz. E baixou os juros. E fica longe da política corpo a corpo.

As consequências do mensalão só podem afastá-la mais do núcleo duro petista. A saída de José Genoíno do Ministério da Defesa no dia de sua condenação o prova. E se os condenados e seus aliados quiserem engrossar a voz contra poderes instituídos? Dilma jamais poderá apoiá-los, já trata de contê-los. Ela tem a força.

Sintomaticamente, o PT soltou uma declaração oficial acusando a oposição e a mídia de "criminalizar" o PT, quando quem está criminalizando membros do partido é a Justiça brasileira.
Os 70% de aprovação popular de Dilma num momento de crescimento econômico anêmico têm muita relação com o fato de ela ser diferente de Lula, não parecida. A intransigência da presidente, ou a aparência de intransigente, agrada, um rigor necessário, nem que seja só pelo rigor, depois dos anos soltos de Lula.

O lado escuro do governo Lula veio à luz com inédita intensidade nestas semanas. A dúvida maior hoje não é mais se Lula será o próximo candidato, mas se será o próximo acusado.
A economia só precisa melhorar, como até o cético mercado prevê, para Dilma se reeleger facilmente em 2014. Ela consegue a façanha extraordinária de parecer alheia ao mundo político mesmo sendo a presidente da República. Isso deve nos blindar do candidato aventureiro em 2014 e dar tempo para purificar um pouco a prática política.

Como São Paulo mostrou, uma disputa entre representantes novatos ou desgastados do establishment político pode ter consequências inesperadas. Dilma barra este cenário em 2014. Mas ele pode vir a ser em 18.

Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos "Dinheiro" (2004-2010) e "Mundo" (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve às quintas no site da Folha.

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