segunda-feira, 30 de setembro de 2013

MEU FILHO TEM TDAH. O QUE FAZER?

Dossiê TDAH: entenda o que é e conheça os sintomas

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um problema que preocupa pais, educadores e profissionais de saúde

Nesta reportagem especial, CRESCER traz o depoimento de uma mãe contando como descobriu que o filho tinha o transtorno. Para completar e ajudar você a entender mais sobre esse problema polêmico e difícil de ser diagnosticado, o psiquiatra Paulo Mattos, especialista no assunto, responde dez dúvidas de nossas leitoras “Meu filho tem TDAH”.
Mal educado? Sem limites? Impossível? Agitado demais? Hiperativo? Chegar ao diagnóstico de TDAH não é fácil. Envolve muitos julgamentos, preconceito e desinformação. A engenheira química Vivian Sampaio, brasileira, que mora nos Estados Unidos há 11 anos, conta sua história com o filho Thiago, hoje com 7 anos. Como ela descobriu, aceitou e está aprendendo a lidar com o problema
”Se você não chegar aqui em uma hora, vou chamar a polícia!”. A ameaça foi feita pela diretora da escola do maternal do meu filho Thiago, então com 4 anos e meio. Era novembro de 2008 e, ironicamente, a ligação telefônica não poderia ter vindo em melhor hora. Eu vivia há oito anos na cidade de Houston, Texas (EUA), trabalhando em uma empresa de engenharia e cuidando, com meu marido, do Thiago e da minha filha maior, a Nicole, na época com 6 anos e meio. De fato, não imaginava que aquela ligação da escola me faria despertar para uma realidade que eu não estava muito a fim de enfrentar: meu filho precisava de ajuda. E eu também.
Thiago era um menino ativo, como qualquer outro da sua idade. Era tudo que eu pensava. Como eu sempre vivi em um mundo mais feminino, por ter duas irmãs, duas sobrinhas e uma filha, eu não achava que o Thiago tinha um comportamento “fora do normal”.
Passado o momento de raiva, depois da ligação da diretora, decidi investigar. Foram dois anos de busca e hoje, novembro de 2010, escrevo do avião voltando de Atlanta, onde participei por três dias de palestras com os médicos, os psicólogos e os educadores mais renomados naquilo que, por fim, descobri que o Thiago tinha: Transtorno e Déficit de Atenção e Hiperatividade, mais conhecido como TDAH. Foi uma conferência internacional sobre o assunto realizada pelo Chadd (www.chadd.org), uma organização dedicada a crianças e adultos com o problema. Comprei dez livros, conversei com médicos, fiz anotações com dicas práticas para aplicar no dia a dia do Thiago e chorei… Sim, chorei por reconhecer que Thiago definitivamente tem TDAH, uma doença que atinge cerca de 5% das crianças sendo que 50% continuam com os sintomas na idade adulta. E pior: não tem cura, já que os sintomas são diretamente relacionados a uma deficiência cerebral.
Como cheguei até aqui? Bem, depois de o Thiago ser “convidado a sair” da escola onde fazia o maternal e da diretora, insistentemente, perguntar se eu havia consultado um médico para entender melhor o comportamento “selvagem” dele, decidi colocá-lo em uma outra escola, com um estilo mais rígido e tradicional de educação. Pensei que assim o Thiago iria se encaixar nos padrões “normais” de comportamento. Ilusão. Nada mudou. Recebia ligações frequentes da professora e insinuações de que eu não colocava limites no Thiago. Mas aos poucos fui notando que ele tinha um comportamento “diferente” das demais crianças.
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ilustra_tdah (Foto: Arquivo Crescer)
Thiago não olhava muito nos meus olhos quando conversávamos, pois estava sempre muito ocupado com o que acontecia ao redor dele, não seguia instruções básicas do cotidiano, não se mantinha sentado por longos períodos de tempo, era impulsivo e reagia com muita raiva quando qualquer um ia contra a vontade dele. Era tímido e se mostrava desconfortável perto de outras crianças, completamente desorganizado, desatento e desinteressado de participar de qualquer atividade que exigisse a concentração por um longo período de tempo.
O que me chamava mais a atenção era a dificuldade que ele tinha para controlar as emoções. Quando estava muito alegre, não conseguia conter a alegria. E quando estava triste, mostrava sua frustração por meio de gritos e escândalos. E, lógico, a culpa era minha, que não colocava limites no comportamento dele. Afinal, de quem mais poderia ser?
Procurei uma psiquiatra que, depois de conhecer o Thiago em uma consulta de apenas 15 minutos, disse que ele era uma criança perfeitamente normal e que provavelmente precisava de mais dedicação dos pais para ajudá-lo a ter um melhor comportamento. Sim, levei a culpa novamente, conforme esperado... Felizmente ela também recomendou que o Thiago fizesse terapia com uso de jogos e brincadeiras. Uma psicóloga passou a analisar as reações dele. Por meio de livros que falavam sobre aspectos morais e sobre como lidar com a emoção, ela tentava mostrar ao Thiago as regras básicas de comportamento – como respeitar as pessoas ou aprender a escutar a vontade alheia e não reagir.
Bastaram alguns poucos meses de terapia para a psicóloga diagnosticar TDAH. O próximo passo foi encontrar um psiquiatra especialista no assunto. Na primeira consulta, busquei discutir ao máximo os prós e contras do uso de medicamentos, o que me preocupava muito. O médico analisou as observações da terapeuta feitas nos oito meses anteriores. Nessa época, o Thiago estava entrando no pré, na escola pública perto de casa. Na primeira reunião com a professora, depois de seis semanas na escola, mais uma vez me alertaram de que o Thiago não iria se adaptar tão facilmente à nova escola. Por orientação do médico, optei finalmente por um medicamento para TDAH. Desde então, Thiago tem se comportado muito melhor. O remédio o ajudou a se manter focado na escola, mais disciplinado e mais sociável. Apesar de eu ter relutado muito em aceitar os medicamentos, cheguei à conclusão que os efeitos colaterais eram mínimos se comparados aos benefícios.
Thiago completou agora um ano tomando o medicamento. O remédio ajudou, mas não foi só isso. Leio sobre o assunto com frequência, exercito minha paciência e aplico as técnicas que aprendi para cuidar de crianças com TDAH. Apesar da conferência de Atlanta ter comprovado, para mim, que o Thiago tem esse problema, voltei com esperança de que com muito amor e as dicas que vou compartilhar na próxima página, meu filho vai estar preparado para vencer as dificuldades que o TDAH possa vir a causar na sua vida acadêmica, profissional e social.
Eu saí da conferência com uma certeza: crianças com TDAH agem como agem, sem intenção. Eu já não reajo tanto quando o Thiago mostra os sinais da doença. Não estou mais contra o Thiago. Estou, sim, junto com ele e contra o TDAH. Te amo, filho.
O ESPECIALISTA RESPONDE

Paulo Mattos é psiquiatra, coordenador do núcleo de estudos de TDAH da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos fundadores da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). Aqui ele responde dúvidas que podem ser suas também
1. Como é o diagnóstico de TDAH? É necessário algum tipo de exame, como ressonância magnética e eletroencefalograma?
Paulo Motta:
O diagnóstico é inteiramente clínico, feito com base nos sintomas, da mesma maneira que outros problemas, como a síndrome do pânico e a depressão. Não é necessário exame de ressonância, eletroencefalograma ou qualquer outro que avalie características físicas. Os pais não precisam se sentir inseguros por conta do diagnóstico ser feito sem exames, pois na psiquiatria é assim mesmo que funciona. Outros profissionais, como pediatras e neurologistas especializados na doença, também podem auxiliar no processo de diagnóstico.
2. Quando uma criança só demonstra dificuldade de se concentrar em uma situação, por exemplo, na escola, pode ser TDAH? Existem níveis diferentes da doença? Como distinguir quem tem TDAH de uma criança que é simplesmente muito ativa?
P.M.:
Não, as dificuldades de atenção devem ocorrer em pelo menos duas situações diferentes para que o diagnóstico seja realmente fechado. Quando ocorrem casos como o da pergunta, o mais provável é que aquela situação específica seja um problema e é isso que deve ser investigado. Quanto aos níveis da doença, sim, o TDAH pode variar de leve a grave (de acordo com a intensidade dos sintomas). A diferença entre o transtorno e uma característica da criança recai na intensidade do comportamento, da hiperatividade e da impulsividade – é difícil e muitas vezes só um especialista poderá dizer se é algo que precisa ou não ser acompanhado e tratado.
3. Existe algum indicativo, alguma característica, que elimine a possibilidade de uma criança ter TDAH com segurança?
P.M.:
Não, isso não existe pois o TDAH é algo que todos nós temos. Em medicina dividimos os problemas naqueles que são diagnósticos de categoria e de dimensão. Os primeiros são do tipo “tem” ou “não tem”, por exemplo, uma pessoa tem ou não HIV, tem ou não hepatite. Já os do segundo tipo são os que caracterizam o diabetes ou a pressão alta. Todos temos açúcar no sangue e pressão arterial, o que importa é saber se os níveis estão dentro do aceitável/normal ou não. O TDAH é desse segundo tipo: todos nós teremos sintomas de hiperatividade e de déficit de atenção, mas em algumas pessoas há uma combinação e uma intensidade nos sintomas que atrapalha seu desenvolvimento e seu dia a dia, sempre comparado aos padrões de crianças da mesma idade.
4. O TDAH pode ser decorrente de alguma alta habilidade não trabalhada ou ignorada nas crianças? Já diagnosticou alguma criança com TDAH como superdotada?
P.M.
: Na verdade o TDAH não tem relação direta com nenhum outro problema. É um transtorno neurobiológico, altamente genético e pode ocorrer em qualquer tipo de criança, tanto nas com inteligência normal, como nas com inteligência abaixo do normal e também nas superdotadas. São coisas independentes e que podem ocorrer ou não ao mesmo tempo.
5. Qual é a diferença entre os medicamentos estimulantes e não estimulantes usados para o tratamento? Qual é o mais usado hoje e quais os efeitos colaterais possíveis?
P.M.:
Os estimulantes (metilfenidato e anfetaminas) são a primeira escolha porque são os mais eficazes; os não estimulantes incluem alguns antidepressivos (mas não todos) e a atomoxetina. Os mais usados são os estimulantes, que podem causar, numa minoria de casos, insônia, diminuição do apetite, irritabilidade e irritação gástrica. Todos esses sintomas desaparecem geralmente após um curto tempo depois do início do tratamento.
6. É possível tratar a doença sem medicamentos, só com atividades físicas?
P.M.:
Não. Casos leves de desatenção ou hiperatividade não são classificados como TDAH e quando há diagnóstico fechado os medicamentos são necessários. Atividade física não é tratamento, é muito importante para uma criança hiperativa, até para o gasto de energia, mas não tem efeito sozinha.
7. Os medicamentos podem causar dependência química? A criança vai precisar tomar por toda a vida ou eles podem ser retirados em dias que ela não precisa de concentração (como um fim de semana, por exemplo)? Ou eles funcionam como os antidepressivos, que precisam de diminuição da dosagem antes de serem retirados?
P.M.:
Os medicamentos são de uso controlado exatamente porque não devem ser tomados por quem não precisa ou de maneira desregulada. Se tomados do modo como prescrito pelo médico, esses medicamentos muito raramente se associam a dependência, algo que se observa em quem não é portador de TDAH e usa os estimulantes com outros propósitos. Além disso, os estudos mostram que o tratamento diminui, e não aumenta, o risco de uso de drogas no futuro. Quanto a interrupção do tratamento, pode ser feita rapidamente e mesmo ser suspensa em um dia mais tranquilo, como fim de semana, sem problemas. Como o TDAH é uma doença que em geral se estabiliza com a chegada à idade adulta, a pessoa para de tomar remédios na grande maioria dos casos.
8. Como saber se uma menina tem TDAH, já que os meninos são diagnosticados mais facilmente por conta da hiperatividade presente nos primeiros anos de vida? Os sintomas aparecem mais tarde ou são diferentes?
P.M.:
As meninas costumam apresentar mais sintomas de déficit de atenção mesmo. Por conta disso, fica mais fácil perceber depois que elas entram na escola. O grau de desatenção acaba comprometendo sua vida acadêmica, principalmente. Não é que ela não tivesse o problema antes, mas é mais difícil identificá-lo.
9. Como é a vida social da criança com TDAH? Muito prejudicada, diferente das crianças sem o problema?
P.M.:
A vida social dessas crianças e adolescentes pode ser prejudicada porque eles são mais rejeitados pelos colegas por conta de suas características (os sintomas do transtorno). Quando medicados e acompanhados por profissionais, não há problema algum, já que a criança fica com comportamento igual ao das outras da mesma idade.
10. Caso não seja tratado ainda criança, o problema pode trazer consequências na vida adulta? Quais? Há alguma pesquisa específica sobre isso?
P.M.:
Há inúmeras pesquisas mostrando que o TDAH está associado ao fracasso acadêmico, abandono escolar, acidentes de trânsito, uso de drogas, álcool e divórcio, entre outras situações negativas na vida adulta. Por isso, diagnóstico e tratamentos são tão importantes para seu filho ter uma vida normal.
O QUE É?

O TDAH é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e pode seguir pela vida toda. A criança tem sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Na primeira infância, o mais comum são os sintomas de hiperatividade, principalmente nos meninos. Só depois, quando entram na escola, é que os indícios de déficit de atenção costumam ser notados. Por isso, o diagnóstico costuma ser fechado por volta dos 6 ou 7 anos. Quando acompanhados e tratados, a criança e o adulto podem levar uma vida normal.
OS SINTOMAS

Para dizer que uma criança tem TDAH é preciso juntar muitas características. Entre elas estão: parecer não escutar o que os outros falam, não se lembrar onde deixou as coisas, não se concentrar na sala de aula, não parar sentado quando deveria, ficar sempre mexendo pernas e mãos, não conseguir ficar quieto para ouvir uma história ou então ficar tão entretido com o que gosta que é difícil tirá-lo da frente da TV.

*Esta reportagem foi publicada na revista Crescer de fevereiro de 2011

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